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Prefeitura retira cidadãos das ruas visando turismo na Copa
- 26/05/2014Defensoria Pública estuda a propositura de uma Ação Civil Pública contra o município
Ailton Sena e Wilka Brasil
“Eles chegam de madrugada, agridem o morador de rua, colocam dentro de uma Kombi e levam”. Essa é a denúncia da presidente do Movimento Nacional da População em Situação de Rua Maria Lucia Pereira. De acordo com ela, uma Kombi com a logomarca da Prefeitura, um caminhão da Empresa de Limpeza Urbana do Salvador (Limpurb) e a Guarda Municipal retiram à força os moradores de rua da cidade como uma medida para a Copa do Mundo.
O relato se repete entre diversas pessoas em situação de rua, que preferem não ser identificados. Segundo os depoimentos, após a retirada das pessoas, o caminhão recolhe os papelões e os demais pertences e lava o local. A ação é confirmada pelo coordenador de um Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, que também pediu pela preservação da sua identidade. “A gente sabe que está acontecendo, mas oficialmente eu não posso falar nada sobre o assunto”, relata.
O número de pessoas retiradas da cidade, bem como o local para onde elas são levadas é uma incógnita. “Descobrir para onde essas pessoas são levadas é a nossa maior dificuldade. Na maioria dos casos, a população não denuncia por medo de sofrer represálias”, lamenta Maria Lúcia. “O que fazemos é reunir as denúncias que recebemos e encaminhar à Defensoria e ao Ministério Público”, completa.
As denúncias começaram em maio de 2013 e só chegaram à Defensoria no final do ano. Segundo a defensora pública Fabiana Miranda, responsável pela Equipe Multidisciplinar de Atendimento à População em Situação de Rua, o relato nem sempre envolve violência. “Eles relataram ter ouvido promessas de que se entrassem no veículo seriam levadas para um lugar melhor e que receberiam com mais facilidade uma casa no Programa Minha Casa, Minha Vida”, esclarece.
Em 2013, no período da Copa das Confederações, a antiga Casa de Saúde Ana Nery chegou a abrigar cerca de 600 pessoas. “A instituição serviu como um ‘depósito humano’ sem as mínimas condições de higiene, com insalubridade, e em um imóvel com risco de incêndio”, conta a defensora que, na época, participou de mutirão para identificar a situação dos abrigados.
Esses cidadãos ganhariam um novo destino em 2014: comunidades terapêuticas da região metropolitana e um hotel social. O problema é que não há prescrição médica para internamento e o hotel não funciona oficialmente. “Essa é uma atitude arcaica que visa ‘maquiar’ a cidade para os visitantes estrangeiros. Um atentado à dignidade da pessoa humana e um desrespeito indefensável aos direitos humanos”, avalia Fabiana.
No ano passado, cerca de 10 denúncias contra a retirada de moradores de rua da cidade chegaram ao conhecimento da Defensoria Pública. Em 2014, até então, são cinco casos. “Estamos organizando o que temos e vamos encaminhar ao Ministério Público para que investigue melhor. Também examinamos a possibilidade de ingresso com uma Ação Civil Pública. Mas temos poucas provas”, conta a defensora.
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Violência nas ruas é uma constante
Procurada pela reportagem, a assessoria da Limpurb informou que a empresa faz apenas a manutenção de limpeza e higienização da cidade. A Superintendência de Segurança Urbana e Prevenção à Violência informou, em nota, que “a Guarda Municipal de Salvador atua apenas na proteção dos agentes da Prefeitura que participam das ações de abordagem social, cuja coordenação é da Semps (Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza)”. Até o fechamento da matéria, a Semps não respondeu às entrevistas e aos esclarecimentos.