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“Projeto do metrô, além de insignificante é atrasado”, diz pesquisador

- 02/07/2012

Danielle Lopes

Foto: Raíza Rocha/ADUNEB

Crédito: Raíza Rocha | ADUNEB

O professor Ney Castro foi criador do projeto do Curso de Urbanismo da UNEB (primeiro curso universitário, nesta área, do Brasil) e atual coordenador do colegiado deste curso. Militante do movimento docente desde 1983, já foi candidato a Reitor da Uneb, defendendo, entre outras bandeiras, a da Universidade com base em um modelo democrático de gestão.

 

Impressão Digital 126: O que é mobilidade sustentável?

Ney Castro: Em princípio, o conceito de “sustentável” não é por si mesmo uma unanimidade. Existem entendimentos que dizem que o chamado desenvolvimento capitalista é predador por natureza e destruidor do patrimônio natural não renovável. Agregar o conceito de mobilidade ao entendimento de sustentável significa entender que, as condições para movimentação das  pessoas, seja para o trabalho, escola, lazer, etc., qualquer que seja o modo de fazê-lo, deve acontecer sem comprometer o patrimônio natural.

ID126: Como você avalia a mobilidade em Salvador?

NC: A movimentação das pessoas em Salvador, qualquer seja: a pé, por ônibus, veículo individual, bicicleta, etc., e por qualquer finalidade (trabalho, educação, etc.) apresenta baixíssimos índices de qualidade. O tempo de deslocamento é elevado, a qualidade do espaço utilizado para a movimentação é precário, o custo é alto assim, como a segurança deixa muito a desejar. Deslocar-se em Salvador exige um alto custo, mesmo para os mais abastados financeiramente.

ID126: Segundo levantamento das calçadas do Brasil, realizado pelo Movimento Mobilize, Salvador possui as 4 piores calçadas do Brasil, e também a melhor (av.oceânica-barra). O que essas informações podem nos indicar?

NC: Elas revelam, objetivamente, o descaso histórico, de todas as administrações que passaram na cidade do Salvador, frente à questão das calçadas; cuja finalidade principal é assegurar um meio seguro e confortável para a mobilidade a pé das pessoas. Isto traduz o descompromisso com as pessoas que se movimentam a pé, as quais se originam, principalmente, das faixas mais baixas da pirâmide de distribuição de renda.

Um serviço público tão essencial como é o transporte urbano entregue, mesmo que por meio do instrumento da concessão, a exploradores privados, já é comprometedor de origem.

ID126: A tarifa de ônibus em Salvador já era a menos acessível do país, quando custava R$2,50. O que você acha do reajuste para o novo valor de R$2,80? 

NC: Um serviço público tão essencial como é o transporte urbano entregue, mesmo que por meio do instrumento da concessão, a exploradores privados, já é comprometedor de origem. O objetivo principal é o lucro, daí porque, se não dispomos de uma administração municipal competente e apta para enfrentar as pressões dos empresários, ficamos sujeitos às majorações, levando a patamares recordes. Para fazer frente aos interesses empresariais que colidem com os interesses daqueles que utilizam os ônibus, é preciso que a prefeitura se capacite organizacionalmente para acompanhar o sistema atendido pelos ônibus e que, politicamente, a sociedade civil tenha um efetivo poder de ingerência na gestão desse sistema. Que o Conselho Municipal de Transportes e o de Desenvolvimento Urbano sejam de fato instâncias de debates, participação popular e com poder de deliberação. Não se pode perder de vista a possibilidade de estatização do serviço por um lado e, por outro, a necessidade imperiosa da integração metropolitana.

ID126: Teoricamente este aumento está condicionado a um aumento de 1000 ônibus na frota total, porém nesta contagem também entrará uma renovação que já foi iniciada anteriormente, de forma que, na prática não irá mudar muito. Como você avalia esse sistema de transporte público em Salvador? 

NC: Ele apresenta um dos piores índices de desempenho do Brasil. Reflete o, quase monopólio, erguido historicamente. É restrito aos ônibus, o que é um absurdo pois lhe confere o caráter monopólico e, assim, seus proprietários fazem o que querem, inclusive subjugar o poder concedente.

ID126: O que mudará com o processo de licitação para empresas de ônibus?

NC: A divulgada licitação não trará mudanças significativas frente à relação que hoje prevalece entre Prefeitura e empresas de ônibus: o quase monopólio permanecerá enquanto o poder municipal se mantiver refém dos empresários, inclusive em decorrência da nossa legislação eleitoral permitir doações financeiras de empresas e empresários para as campanhas eleitorais, o que leva à prática do “toma-lá-dá-cá”. Aparentemente a eleição não tem nada com sistema de transporte público, mas não é verdade: são fortes os seus laços.

ID126: O projeto Cidade Bicicleta prevê a criação de 217km de ciclovias integradas, até 2014. Será que a população de Salvador está disposta a utilizar a bicicleta como veículo no seu dia-a-dia?

NC: A disposição da população em vir a utilizar a bicicleta para sua movimentação no seu dia-a-dia tem que ser vista sob dois ângulos: o primeiro trata-se da adequada oferta de condições físicas para a adoção desse meio de transporte e, o segundo diz respeito à necessária mudança cultural por parte das pessoas que, historicamente, enxergam essa alternativa como perigosa e desconfortável.

ID126: Como você avalia o desenvolvimento das obras do PAC Grandes Cidades e Mobilidade Urbana?

NC: As obras do PAC, em regra, estão sofrendo atrasos significativos especialmente aquelas voltadas para a estruturação urbana. Daí porque, no que concerne a aquelas relacionadas com a Copa do Mundo, a FIFA já divulgou que admite a realização do evento entre nós, mesmo sem a conclusão das obras previstas. 

ID126: Pensando nestes programas do governo, é incoerente, próximo à realização da Conferência Rio+20,  o anúncio de incentivos fiscais e de financiamento para aquisição de carro próprio?

NC: Os incentivos oferecidos pelo governo são direcionados ao consumo, o que é um equívoco. Nós temos que alavancar a produção através do aumento dos investimentos. Além disso, essas medidas vão acarretar um aumento espetacular do número de veículos individuais em circulação, sobretudo nas grandes cidades, o que trará grandes impactos na mobilidade urbana, refletidos especialmente nos grandes congestionamentos. Mais uma vez o governo  privilegia o transporte individual, quando os recursos que são renunciados pela queda do IPI poderiam ser direcionados para o transporte de massa.

ID126: Como você vê o futuro da mobilidade em Salvador?

NC: A prevalência do modelo do transporte individual em detrimento de outros meios que facilitem a mobilidade urbana configura um futuro comprometido. O projeto do metrô, além de insignificante para as nossas necessidades, vem com um atraso gigantesco, e o seu modelo baseado no deslocamento por superfície vai comprometer, enormemente, o tecido urbano no que diz respeito ao seu traçado, pois envolve ou imobiliza suas laterais. É um modelo atrasado em todos os sentidos.

ID126: O que pode ser feito para evitar que a capital baiana venha a viver em uma imobilidade insustentável?

NC: A política fundiária tem que ser encarada com profundidade. Tarifação das terras e aquisição por desapropriação tem que ser assumidas pelo governo. Deixar a lógica de expansão da cidade e de sua região metropolitana sujeita apenas aos interesses do setor privado levará, somente, à sustentação da imobilidade.

 

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