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Racismo na Rede
Rebeca Almeida e Gabriel Ferreira - 23/10/2018Por Rebeca Almeida e Gabriel Ferreira
Entre as possibilidades surgidas com o advento da internet, uma delas é facilitar a comunicação, aproximar indivíduos. Através da rede é possível conversar com pessoas diferentes e acessar variadas informações. No entanto, esse potencial nem sempre é utilizado de forma positiva. Um grande número de pessoas têm usado a esfera cibernética para propagar pensamentos racistas e discursos de ódio.
Apenas no ano passado, segundo dados da SaferNet, um sistema automatizado de gestão de denúncias de crimes cibernéticos, foram recebidas e processadas um total 14.011 denúncias anônimas de racismo na rede. A plataforma contabiliza denúncias feitas na Polícia Federal, no site SaferNet Brasil, na Secretaria dos Direitos Humanos e na Central de Denúncias.
De acordo com esses indicadores, os crimes de Discriminação e ofensa foram os mais denunciados em 2017. O Brasil ocupa o quinto lugar no mundo em denúncias por racismo online. Ano passado foram denunciadas 1027 páginas brasileiras. Os EUA ocupa o primeiro lugar, com 14946 páginas, seguido da Irlanda (8316), Holanda (4565) e Rússia (1180).
O Facebook é o site com o maior registro de denúncias. Em 2017, a SaferNet registrou 1751 denúncias na rede social, quase 58,3% dos registros realizados em toda a internet. O Twitter, com 422, e o YouTube com 174 denúncias completam o ranking dos sites com o maior número de registros de racismo.
Racismo mais agressivo – Para o pesquisador e coordenador do SaferNet Brasil, Paulo Rogério, esses números são um reflexo do racismo presente em toda a sociedade brasileira. “Todo o discurso de ódio e as violações de direitos humanos que acontecem nas redes digitais são originárias das assimetrias sociais e da legitimação da desigualdade que é algo naturalizado na sociedade”, afirmou em uma entrevista dada ao site Pragmatismo Político, no ano passado. “Quando alguém usa a Internet para cometer um ato de racismo, ela apenas sente-se mais confortável ao usar o anonimato e por ter o sentimento de impunidade, já que há muitos casos diariamente que não são resolvidos”, ressalta.
O professor e coordenador do Programa Direito e Relações Raciais (PDRR/UFBA), Samuel Vida, concorda que os crimes de racismo praticados na internet acontecem sobretudo porque aqueles que os praticam acreditam na possibilidade de anonimato. Além disso, outra característica do racismo é sua forma mais crua. Ele acredita que na internet o racismo se expressa de forma mais direta e agressiva. “O que a internet permite é a transgressão daquilo que alguns chamam de racismo cordial, aquele que se reflete nas formas mais indiretas e evasivas fora da rede”. Ele acredita que na internet o racismo se expressa de forma mais direta e agressiva. (Leia a entrevista na íntegra).
Legislação – O crime de racismo na internet se configura como um “crime cibernético impróprio”, ou seja, faz parte dos crimes que não nasceram na plataforma digital, ao contrário dos “crimes cibernéticos próprios”, que existem apenas no contexto online. Isso quer dizer que os casos de racismo na internet são julgado por analogia, conforme o que já prevê a legislação vigente sobre racismo.
Por outro lado, Fabrício Patury, professor de Direito Digital na Faculdade Baiana de Direito, afirma que “não há nenhum inarrável anonimato na Internet”. Segundo ele, quaisquer atos realizados pela internet deixam o devido “rastro digital”, de forma que através de passos técnicos e jurídicos, previstos em lei, é possível identificar o computador de onde partiu a ofensa e, após a continuidade das investigações, a pessoa que cometeu o crime.
Para Patury, apesar da legislação brasileira permitir a atuação em grande parte dos crimes cibernéticos, é preciso uma atualização para lidar com novas nuances. “Prevalece uma efetiva necessidade de revisão da legislação frente a esta nova realidade, ante a gravidade das consequências desses crimes propalados na Internet”, defende.
No passado, em Salvador, um caso de injúria racial aconteceu contra a administradora do grupo Revolução Black, Caroline Xavier, no facebook. Ela teve a foto do seu perfil na rede social compartilhada por alguém que ela não conhecia e, junto a isso, frases de cunho racista e imagens ridicularizando seu cabelo. No entanto, o perfil utilizado para cometer o crime era “fake”, criado a partir de fotos de outro usuário e informações falsas.
O professor ainda ressalta que o racismo não pode ser analisado no Direito apenas do ponto de vista Penal. “Essa é a área menos propícia para reverter qualquer tipo de discriminação quando ela existe de forma estrutural, como acontece com o Racismo”. Em sua opinião é preciso trazer para o Direito a possibilidade de outros domínios, como o Institucional ou educacional, por exemplo. “Ainda que devamos manter essas condutas criminalizadas, não devemos apostar na estratégia de que é pelo Direito Penal que nós vamos destruir o racismo”.
Denúncias – Carol afirma ter tomado as medidas cabíveis para identificar autor das injúrias. “Eu fui na delegacia civil pela manhã e de lá fui encaminhada para o órgão específico, que cuida dos crimes cibernéticos”. Além disso, ela fez campanha na internet para que as pessoas denunciem o perfil criminoso e este seja tirado do ar.
Segundo Patury, para denunciar um crime na internet não precisa se dirigir à uma delegacia especializada. “Basta ir à delegacia mais próxima, reunindo todas as provas possíveis (prints, fotos, conversas)”. Caso o delegado do lugar onde foi prestada queixa ache necessário, fará encaminhamento do processo para uma delegacia especializada.
Outro lado – Ante todo o racismo que a internet deixa mais explícito, a aproximação entre os indivíduos pelo meio digital não acarreta somente em propagação de ódio. Muitas pessoas também se aproximam justamente pelo contrário, para buscar combater problemas como o racismo, machismo, homofobia e outros.
Um estudo feito pelo Google BrandLab revelou que os brasileiros têm se interessado por pesquisar mais questões de diversidade na internet. Os dados mostram que, de 2012 a 2017, as buscas por temas do tipo duplicaram e o crescimento de visualizações de conteúdos sobre homofobia, LGBTQ, racismo e feminismo aumentou 260% só nos últimos seis meses. A Bahia é o estado em que mais se busca por racismo – o número de pesquisas pelo termo no estado foi 60% maior que em São Paulo em 2016.