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Sim, mulheres escrevem. Só falta o mercado descobrir
- 25/01/2017É uma verdade universalmente reconhecida sobre a produção literária feminina . Será mesmo?
Lara Pinheiro e Rayllanna Lima
Uma das escritoras mais proeminentes do modernismo, Virginia Woolf, em 1929, arriscou um palpite. Todos os textos sem assinatura registrada (ou seja, anônimos), segundo ela, eram escritos por mulheres. Naquele mesmo ano, a Bolsa de Valores de Nova York quebrou, provocando uma crise desmedida e uma nova ordem que emergiu do capitalismo. Passadas quase nove décadas do desmesurado pitaco de Wolf e tantas alterações no mundo, o mercado editoral ainda não dá sinais consideráveis de mudança.
De acordo com pesquisa feita em 2012 pela professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília (UnB), as mulheres continuam atrás no mercado editorial brasileiro. Uma esmagadora maioria de 72% dos romances publicados entre 1990 e 2004 foram escritos por homens, considerando as três maiores editoras do país (Record, Rocco e Companhia das Letras).
Fora do Brasil, o cenário apresenta leve melhora, muito embora longe do ideal. A organização americana Vida constatou, em 2015, um máximo de 49% de participação feminina em publicações literárias.
LEIA MULHERES
Foi para mudar esse cenário que a escritora britânica Joanna Walsh criou, em 2014, o projeto #readwomen (em livre tradução, #leiamulheres). A ideia nasceu no Twitter, com a finalidade de propagar literatura feminina na Inglaterra e pelo resto do mundo. A repercussão do projeto foi tanta que a lista original da escritora, recomendando 250 autoras mulheres para leitura, foi crescendo à medida que outros usuários adicionavam suas próprias sugestões.
Em solo brasileiro, o projeto chegou em 2015, com a criação do primeiro grupo de leitura Leia Mulheres, em São Paulo. Em Salvador, um ano depois, as mediadoras Ilmara Fonseca, Eduarda Sampaio, Joana Mutti e Paula Janay foram as responsáveis por organizar os encontros, que acontecem sempre no último sábado de cada mês. O próximo será em 28 de janeiro. A pauta já está definida: a discussão de Crônica de uma Namorada, de Zélia Gattai — em parceria com a Fundação Casa de Jorge Amado.
Nascida em São Paulo e radicada na Bahia, Zélia Gattai tem em seu repertório uma vasta produção de romances e contos. Em 2001 foi eleita para a Academia Brasileira de Letras, sucedendo a cadeira deixada por Jorge Amado, seu marido, morto naquele ano. Apesar da profusão literária e importância reconhecida, Zélia é costumeiramente posta à sombra do companheiro — algo que o projeto tenta reverter evidenciando a importância de suas letras.
Ilmara Fonseca e Eduarda Sampaio contaram que a escolha dos livros é feita mediante consulta, via Facebook, às participantes do grupo. “É importante que a gente escolha livros de fácil acesso, porque livro ainda é muito caro”, pontua Ilmara. Elas também consideram essencial que a obra conduza a uma discussão sobre temas ligados ao empoderamento feminino.
Ambas concordam que, apesar de as leituras mensais serem abertas a qualquer pessoa, o público acaba sendo majoritariamente feminino, pois os encontros “também são um momento de dividir histórias e discutir temas muito próximos às mulheres, como por exemplo maternidade, relacionamentos abusivos ou questões ligadas ao feminismo”, explica Ilmara. “São temas que acabam incomodando os homens”, pontua Eduarda.
Quando questionadas sobre o termo “literatura feminina”, as mediadoras declinam o conceito. “Se a gente fosse falar de literatura feminina, precisaríamos falar sobre o que é feminino, algo que é um problema gigantesco. Um livro escrito por uma transexual é feminino? Acho que as editoras pegaram esse nicho de escritoras de amor romântico, idealizado, erótico e estão aproveitando, chamando de “literatura feminina”,” avalia Eduarda.
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