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Talento transformista fora de circuito
- 02/03/2017Artistas ainda encontram dificuldades para performar fora dos ambientes em que essa arte não é considerada loucura
Flávia Lima | Fotos : Rafael Suriani/Divulgação
Em janeiro desse ano, o professor Sérgio Lima Viana publicou um texto no Facebook relatando que foi barrado no Shopping Penha, em São Paulo. De acordo com os seguranças que o barraram, Sérgio e mais oito pessoas, sendo seis delas drag queens, não poderiam transitar no local porque elas usavam “maquiagem forte” e “vestimenta inapropriada”. O grupo tinha saído de um curso de maquiagem transformista realizado pelo shopping mas a segurança mesmo assim decidiu barrá-los.
“O gerente de segurança apareceu e disse-nos que era uma lei. Quando exigimos que ele mostrasse-nos a tal lei, ele argumentou sobre a proibição de capacetes e elementos que omitam o rosto, como máscaras. Em seguida, tentando se justificar dando exemplos, quis nos separar, deixar só as drags mais femininas entrarem, me olhou e disse que eu não entraria por ter bigode… Oi?”, relatou o educador na rede social. Somente após chamar a policia militar o grupo conseguiu entrar no shopping novamente.
A ausência da arte drag nas ruas também foi percebida pelo artista plástico, Rafael Suriani. Desde 2008 o brasileiro faz intervenções artísticas nas ruas de Paris, onde mora há dez anos. Em 2015 o artista trouxe da cidade parisiense para São Paulo suas intervenções urbanas, posters lambe-lambes de drags nacionais e mundiais pintadas com tinta acrílica e que eram espalhadas nos prédios franceses.
Na ocasião, Rafael contou: “Tenho buscado com essa série dar visibilidade às questões de gênero e a diversidade sexual. Esse é o primeiro passo para combater os preconceitos”. A exibição chamada “It’s not personal, it’s drag” (Não é pessoal, é drag em tradução livre) aconteceu na Tag Gallery e algumas drags retratadas por ele são Rupaul, Tiffany Bradshaw, Ikaro Kadoshi e outras drags brasileiras.
Para Leonardo Paulino é importante a cultura drag estar presente em espaços urbanos. Doutorando em Artes Cênicas no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, o performancer e arte-educador venceu a primeira edição do concurso Revelação Marujo 2016 na forma de Leona do Pau, estado performático desde 2008. De acordo com Leonardo, o drag funciona como um “drible nas práticas heteronormativas”, criando dicotomias na sociedade convencionada. “É um problema delimitar os espaços e ainda existe muita dicotomia em nossa sociedade, como se alguns espaços fossem inacessíveis para uma determinada tribo, um determinado público” critica.
Há quem “drible” os estereótipos sociais. Em 2016, as drags curitibanas Deendjers receberam um certificado de Menção Honrosa no Plenário da Assembleia Legislativa do Paraná, recebendo destaque por seu trabalho artístico e cultural como drag queens. “Eles realizam apresentações de alto nível, sendo sempre muito elogiados pelas coreografias e figurinos. São pessoas que admiro muito. São grandes artistas e que merecem esse reconhecimento público pelo grande trabalho que desenvolvem”, afirmou a deputada estadual Maria Victoria, que propôs a menção e presidiu a sessão. ”A drag sempre ultrapassa qualquer delimitação. Ela está ai pra isso, para cortar a tradição e rasgar esse lacre normativo em todos os espaços”, argumenta Leonardo.
Ultrapassando as tradições normativas o grupo de drags Haus of Gloom fizeram o espetáculo infantil “O cordel da Maria Cin-drag-rela”, que aconteceu em setembro de 2016 e já tem data de estréia em 2017. A peça, que é uma releitura do clássico Cinderela e aborda temas como misoginia, machismo e conceitos sobre família num formato para crianças, concorre para o prêmio Braskem de melhor peça infanto-juvenil nesse ano. “Trazer elementos dessa arte tão visual e colorida para o teatro infantil é muito bacana e quanto mais a gente tocar nesses assuntos mais naturalidade eles vão ser tratados” diz Victor Corujeira, artista drag, integrante da peça.
A presença de artistas drag no entretenimento ainda é reduzida, porém está conseguindo incentivos em locais não exclusivos para esse tipo de arte. Em 2015, o Netflix anunciou que iria cancelar o contrato para exibir o programa com a temática LGBT “Rupaul’s Drag Race” em seu site. Depois de horas cancelado e com uma retratação oficial, todo o conteúdo voltou a ser acessível na plataforma de serviço por steaming por causa das manifestações e comentários dos brasileiros pedindo a atração no catálogo. Em novembro de 2016, o Netflix Brasil anunciou a exibição de “Hurricane Bianca”, filme produzido e protagonizado pela vencedora da sexta temporada do “Rupaul’s Drag Race”, Bianca Del Rio.
Leonardo acredita que há produções locais que também merecem apoio. “Existem algumas produções super interessantes, inclusive aqui de Salvador, como o documentário de Paula ‘Jéssica Cristopherry’ Lice contando sobre a construção de sua drag e também homenageando a cena transformista soteropolitana. Também tem o documentário sobre o “Âncora do Marujo”, um dos mais antigos lugares de transformismo aqui em Salvador, tem o “Atrás dos Olhos” sobre travestis e transexuais da cidade, tem o live das drags no Facebook, tem canais no Youtube…” diz.
As cantoras drag também estão conseguindo parceria com grandes empresas de entretenimento, fazendo negócios para além das festas e baladas noturnas. Após liberar todas as musicas no Youtube, Pabllo Vittar lançou todo o seu primeiro álbum de estúdio, o “Vai passar mal”, no Spotify. Em 26 de janeiro, a cantora comemorou no twitter que sua música “Todo Dia” estava em terceiro lugar da lista 50 musicas virais do Spotify, seleção baseada nos acessos de cada música.
A cantora está com show marcado em Salvador, para o dia 18 de março, na Amsterdam Pop Club. “Dou valor a Pabllo Vittar porque ela está fazendo o babado dela, está correndo atrás e o investimento está muito pesado nessa drag. Tomara que com ela se abram possibilidades para outras pessoas que cantam como drag também”, comenta Victor.