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Tânia Tôko: “Assim como em Ó paí Ó, sempre fiz mulheres fortes, brasileiras e reais”

- 05/07/2017

Em entrevista ao ID 126, atriz fala sobre os dez anos de lançamento do filme Ó paí Ó, da carreira e da sua militância política

Júnior Moreira e Thiago Conceição

Tânia Tôko: “(…) o longa [Ó Paí Ó] possibilitou mostrar a nossa forma de interpretar e entender a arte” (Foto: Carlos Alcântara – Arquivo da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia).

Dez anos se passaram desde o lançamento do filme Ó paí Ó (2007), que tinha a atriz e arte-educadora baiana Tânia Tôko interpretando a inesquecível Neusão. De lá para cá, a atriz, que teve sua carreira alavancada pela personagem que criou em 1992, fez novelas na Rede Globo e realiza oficinas, palestras e projetos sociais junto com jovens da periferia de Salvador. Das peças realizadas com o Bando de Teatro Olodum, aos papéis feitos em novelas de televisão, Tânia acredita que adquiriu o amadurecimento necessário para interpretar mulheres independentes e fortes mesmo em personagens que inicialmente poderiam reforçar estereótipos. “Vi a possibilidade de mostrar, mesmo que nesse perfil da “negra vitimada”, o desafio de apontar a humanidade e as verdades dessas mulheres”. Além disso, os questionamentos voltados aos problemas sociais brasileiros, presentes em sua trajetória como artista e militante política, são expressos em personagens que vivenciam a violência, a pobreza, o preconceito. No palco, na telona, na televisão, o híbrido projeto do Ó Paí, Ó mostrou a versatilidade da atriz, que gentilmente concedeu a seguinte entrevista ao ID 126.

 ID 126 – O filme “Ó Paí, Ó” completa dez anos de lançado este ano. Qual a importância de fazer parte deste projeto?

 Tânia Tôko: A importância dessa obra nesses dez anos se dá exatamente quando marca uma época de história das comunidades periféricas, da cultura da performance e do discurso regional. Levamos para o mundo essa espontaneidade e leveza de alma que temos aqui em Salvador.

 ID 126 – É um longa que tenta retratar um recorte do cotidiano da população de Salvador. Acha que cumpriu a função?

 TT – Tanto cumpriu que acalentou os corações de baianos que vivem em outros países. Através do filme, eles mostraram um pouco da nossa essência aos amigos e conhecidos, que partilham outras cultura. Além disso, o longa possibilitou mostrar a nossa forma de interpretar e entender a Arte.

ID 126 – Passados esses dez anos, acredita que o filme ainda é atual? Por qual motivo?

TT – Atualíssimo. Tanto que, ao pensarmos o segundo roteiro, jorraram assuntos e ideias. Criamos material até para um terceiro roteiro. Mortes de crianças e jovens negros das periferias, a união que uma comunidade precisa ter para ir driblando as dificuldades diárias, e que são muitas, excessos de policiais despreparados, a marginalidade, os trans, a homossexualidade, as mulheres que trabalham e sustentam uma família inteira, a religião, são assuntos que sempre serão atuais. São problemas que só agravam, ainda mais num momento de recessão que estamos vivendo.

“A minha militância política ocorre na esfera socialista, diante das minhas observações, de tudo o que vivi nas palafitas em Alagados, até meus 18 anos”.

ID 126 – Após esse tempo, como está a relação de vocês do elenco? A união permanece?

TT – Sempre. Quando fiz o filme, em 2007, já havia dez anos da minha saída do grupo [Bando de Teatro Olodum], mesmo assim, continuei me encontrando com o elenco. Na época, estava estudando na Faculdade de Teatro da UFBA, o que facilitou os encontros com os atores e amigos. Hoje, em datas especiais, os artistas que já não fazem parte do grupo são convidados para participarem de peças, leituras dramáticas, entre outros eventos. Afinal, ali se formou uma família.

ID 126 – O “Ó Paí, Ó” é um projeto que existiu no teatro, TV e cinema. É difícil pensar na composição da personagem para as três plataformas? Muda muito de uma para outra?

TT – Muda. Especialmente pelo fato do vídeo ter um outro tempo e modo, ali, a naturalidade se faz necessária, são diferentes ângulos, técnicas, iluminação. No Teatro, a técnica é outra, a expressão ampliada, a pantomima, questões como o falar alto, para ficar audível até a fila Z. Esses são alguns dos aspectos relevantes do ambiente do teatro. Eu gosto dessas várias formas e técnicas.

ID 126 – Com relação a sua carreira artística e trabalho de militância política, qual a contribuição da personagem “Neusão” para este debate?

TT – A minha militância política ocorre na esfera socialista, diante das minhas observações, de tudo o que vivi nas palafitas em Alagados, até meus 18 anos. Sempre me incomodei com a realidade da comunidade, fora o fato de que as mulheres fortes sempre me chamaram atenção. Eram como Neusão, que independente de sua opção sexual é uma mulher forte, do bem, batalhadora, humana. Eu tenho essas mulheres como referências para os meus personagens, que contribuíram e contribuem para o incentivo à emancipação feminina.

ID 126 – E o que “Neusão” significa para sua carreira?

TT – O reconhecimento do meu trabalho alcançou o ápice com essa personagem, que sempre amei de paixão, desde o dia em que a criei, num exercício de improviso no anos de 1992. Nesse período, não imaginava as alegrias que teria anos depois, em 2007.

 ID 126 – Infelizmente, é redundante perguntar se uma mulher, atriz, negra, periférica já sofreu algum tipo de preconceito. Como lidar com esse problema endêmico do Brasil?

TT – No Brasil, o negro e a mulher negra não deixaram de sofrer preconceito. No século XIX, esse problema ficou mais latente. São negros livres, porém, oprimidos dentro de uma sociedade que não se comporta e se vê no outro. Ora, vendo por esse princípio, como se dará o respeito pelas diferenças? Acredito que pela convenção, pelas leis e pelos magistrados, que são de fundamental importância para uma virada. Sem isso, fica impossível. Sinto falta dessa estrutura organizacional.

“Eu sei a dor e a delícia de ser uma atriz negra que tem a coragem de falar sobre determinados assuntos, temas que nos cercam no dia a dia, que afetam as carreiras de atores negros.”

ID 126 – Você tem um visível trabalho como arte-educadora. Como instruir esses jovens para driblar o preconceito?

TT – Começo sempre a formação para o público, que em sua maioria é formado por jovens oprimidos de periferia, falando de insegurança. Esse é um excelente tema para abrir a metodologia, pois, lidamos com essa sensação no dia a dia. É o resultado de tudo que nos é negado, todos os nãos que ouvimos. Por isso, vou desconstruindo essa máxima maligna para uma outra, onde existe o êxito e o sucesso. Só depois chego na questão da segurança, que a empreitada requer.

ID 126 – Em uma entrevista de 2009, você declarou que não “aceitaria fazer papel de negra vitimada”. O que quis dizer com isso? Continua com esse pensamento?

 TT – Em 2009, falei da negra vitimada por acreditar nisso, pois, infelizmente, isso é o que acontece no nosso mercado. Esse é o papel que chega em nossas mãos, ao invés de projetar, ele trava a carreira da mulher negra. Nada de campanhas publicitárias, presenças VIPs pagas em Eventos e nos Camarotes da Vida, a lista de limitações é grande.

ID 126 – Porém, seus últimos trabalhos na Globo foram domésticas. Como fugir dos estereótipos de vítima nesses casos?

Tânia explica que mesmo em papéis de “negra vitimada” conseguiu mostrar sua versatilidade

TT – Assim como em Ó paí, Ó, sempre fiz mulheres fortes, brasileiras e reais. São personagens como Cícera, uma mecânica em Fina Estampa, onde fui convidada diretamente por Wolf Maia. Depois fiz Rosa, que começou como diarista e já no terceiro capítulo virou cozinheira  e garçonete de um bar, pouco tempo depois, ela passou para o elenco principal, onde o protagonista que entrou na trama  foi morar na casa dela, a convite do Marcus Figueiredo e Luiz Henrique Rios. Na novela Em Família, fiz outra Rosa, escrita para mim, por Manoel Carlos. Veja bem, concordo com a questão dos estereótipos, porém, os três trabalhos me honraram, me senti lisonjeada pelos convites. e vi a possibilidade de mostrar, mesmo que nesse perfil da “negra vitimada”, o desafio de apontar a humanidade e as verdades dessas mulheres, emprestei a minha sensibilidade de atriz para melhorar esse discurso, e, pelas excelentes críticas que recebi desses três trabalhos, creio que valeu a pena. Eu consegui mostrar a minha versatilidade, e isso foi reconhecido, só tenho a agradecer.

ID 126 – Somente nos últimos tempos, atores negros têm conseguido outros tipos de personagens na TV. Você, que faz parte da luta pela representatividade nas grandes mídias, consegue explicar o motivo da lentidão no processo de alteração deste perfil de personagens?

TT – De verdade, não consigo compreender essa lacuna. Existe uma grande população de negros, cidadãos que têm suas famílias, suas histórias, suas referências, porém, não temos expressão no nosso país. País que ajudamos a construir em todas as áreas e aspectos, do cultural ao econômico. No entanto, se partirmos para a formação da nossa sociedade, onde sempre aparecemos na história como coadjuvantes, lugar onde pensaram que nos colocou, dá pra entender com mais facilidade. Oportunidades, isso é o que falta! Aquela boa vontade dos que contratam, que vai acontecer quando o nosso povo deixar de ser tão preconceituoso com os negros. O racismo no Brasil é uma chaga que ainda está inflamada. E o discurso de uma época reflete exatamente no comportamento e pensamento dos que vivem atualmente aqui.

ID 126 – Faltam diretores, produtores e roteiristas que pensem na população negra?

TT – Acredito que não, inclusive, temos muitos. Porém, entrar no mercado, que é branco, é como querer capturar a Medusa e virar pedra. Se o mercado se abrir, teremos grandes obras e grandes artistas negros dignamente em cena. Esses discursos seriam lindos, pois, seriam carregados de humanidade e legitimidade. Atualmente, na TV, temos exemplos de brancos escrevendo texto para atores negros protagonizarem. No entanto, a verdade é que somos muito mais do que está sendo mostrado, fora o fato de termos muito mais a dizer. O discurso de quem escreve é frágil.

ID 126 – Você é uma artista que exprime opinião política no discurso. Analisando o cenário dos artistas negros com visibilidade nacional, você se sente representada?

TT – Eu sei a dor e a delícia de ser uma atriz negra que tem a coragem de falar sobre determinados assuntos, temas que nos cercam no dia a dia, que afetam as carreiras de atores negros. Os que têm essa coragem, muitas vezes, são mal interpretados e até retaliados por suas ideias e convicções. Porém, para mim, isso é tranquilo, sei que já deixei, deixo e deixarei sementes em mentes atentas como a minha. Com relação a me sentir representada  enquanto artista, enquanto mulher negra, me sinto representada por companheiros de trabalho que estão aí na luta, dizendo verdades, sem engolir todos os tipos de sapos. Eles, assim como eu, já escolheram um lado. É assim que vamos tocando em frente, com muita fé em Deus e na justiça divina. Particularmente, eu preciso de muito pouco para ser feliz. Quando eu era pequena, deitava à noite no passeio de cimento em frente à minha casa, na minha comunidade, e achava a coisa mais perfeita do mundo todas aquelas estrelas, de todos os tamanhos, brilhando ao mesmo tempo, até hoje faço isso, meu foco está aí.

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