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Teatro para quem não vê
- 14/12/2013Espetáculo Os Cegos, do Coletivo Livre de Espetáculos, utiliza recursos cênicos para ser acessível a deficientes visuais
Eduardo Coutinho e Rafael Grilo
Teatro para além de ser visto. Essa é a proposta do Coletivo Livre de Espetáculos (COLE) em seu trabalho mais recente, o espetáculo Os Cegos, que estreou no dia 4 de dezembro, no Teatro Vila Velha, em Salvador. A montagem é inspirada no livro homônimo do dramaturgo belga Maeterlinck e narra a história de um grupo de cegos numa floresta, depois de se perderem de um guia. Com estratégias narrativas e cenográficas que buscam tornar a peça acessível a pessoas que não enxergam, sem depender de acessórios, a equipe recorreu ao auxílio direto de deficientes visuais, que interferiram no processo de criação.
Confira cenas do espetáculo Os Cegos:
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Durante o período dos ensaios, o grupo realizou vivências e encontros com membros do Instituto de Cegos da Bahia, com o objetivo de se aproximar da realidade que iriam retratar e de descobrir como construir um espetáculo que fosse apreciável por quem não enxergasse ou tivesse baixa visão.
“No Instituto, descobrimos como oferecer outras informações que não apenas de imagem visual, pois essa era uma de nossas crises no processo. Às vezes a gente resolvia uma coisa visualmente, mas não oferecia outros dados, e a gente tinha que rever isso. Foi isso que mobilizou muito nossa parceria com eles, porque eles diziam muito sobre como percebiam o mundo”, conta Vinicius Lírio, diretor do espetáculo.
No Instituto, os atores buscavam entender como o corpo de pessoas cegas se expressava e percebia o que estava ao seu redor. Com o tempo, eles notaram que, para isso, não bastaria ouvir e observar. Foi então que o elenco resolveu vendar os olhos e ir às ruas. Em lugares como a Praça Municipal, o Farol da Barra e diferentes campi da UFBA, o COLE fez uma série de performances intitulada Cegueira Voluntária. “O mais interessante foi ver como isso afetou a corporalidade. Eu, de fora, começava a observar que os atores estavam fazendo movimentos muito parecidos aos que faziam os deficientes visuais. E isso foi muito forte para a cena sem precisar dizer ‘olha, tem que fazer desse jeito por que o deficiente visual faz assim’”, explica Vinicius.
Para o ator Luiz Antônio Jr., o processo foi importante, pois a proposta da encenação era de ir além do caráter ilustrativo. “Não buscamos somente uma fisicalidade, mas como essa fisicalidade vai gerar algum tipo de sensação em quem está apreciando o espetáculo”. “Apreciar”, aliás, é o verbo mais correto para se referir à peça, em lugar de “ver” ou “assistir”, que acabam por excluir as pessoas com deficiência visual.
Ao optar por não utilizar o recurso de audiodescrição, o grupo apostou na cena para a acessibilidade do espetáculo. Uma das estratégias foi espalhar folhas secas pelo chão do palco para que quem tivesse deficiência visual pudesse perceber onde os atores estavam, de que forma andavam ou quando eles caíam, por exemplo. “Fizemos a peça pensando muito em onde as caixas de som iriam ficar para causar um impacto, em como a luz iria incidir, como as cadeiras do público e o cenário ficariam dispostos… Tudo foi isso para que eles possam apreciar a obra sem esse recurso”, explica Luiz.
O espetáculo chama a atenção para um tema pouco discutido em Salvador, que é a acessibilidade aos produtos culturais. “Aqui temos a UFBA, que tem um dos grupos pioneiros em audiodescrição [o TRAMAD, com sede no Instituto de Letras], mas ainda há muito a fazer. Em Manaus, por exemplo, existe um teatro que oferece audiodescrição de forma fixa, em todos os espetáculos”, comenta Cristina Vieira, que é professora de educação especial e possui baixa visão. Segundo ela, a falta de acessibilidade não se restringe ao teatro, mas é comum até em veículos de grande alcance, como a televisão. “A Globo só tem 5% da programação com audiodescrição”, alerta.