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Tirem as crianças da sala
Gabriel G, Marina B, Nuno K, Leonardo S - 17/04/2019Uma visita ao Tupy, um dos últimos cinemas pornôs de Salvador
A vasta sala escura que só pode ser desbravada com a ajuda de um lanterninha poderia existir em qualquer um dos antigos cinemas de rua de Salvador. No Cine Tupy esta ainda é a realidade. Diferente dos empreendimentos “convencionais”, onde é vendido pipoca e são exibidos blockbusters, a sala localizada na Baixa dos Sapateiros oferece cigarros e salgados para os espectadores dos filmes com sexo explícito. O cheiro criado pela mistura de mofo e esperma já faz parte do ambiente, e aqueles que lá estão já nem se importam mais. Afinal, é para isso que estão ali, no Cine Tupy, um dos últimos cinemas de rua que exibem filmes “adultos” em Salvador: sexo.
Administrado pela Orient Filmes, parte das corporações UCI, o Tupy se mantém aberto para aposentar os funcionários que trabalham no local. É o que diz um dos diretores da companhia, que preferiu não ter seu nome divulgado. “O Tupy não dá prejuízos, e, enquanto consegue se manter por conta própria, nós deixamos ele aberto. O menino da portaria precisa se aposentar, e os outros funcionários também, então a gente vai mantendo”, comentou.
Diferente do que acontece nas 27 outras salas comerciais gerenciadas pela Orient Filmes na Bahia, no Cine Tupy não há nenhuma menção à companhia, que é uma das 20 maiores empresas de exibição de películas no país, segundo levantamento da Filme B. Com um letreiro preto e branco, o estabelecimento exibe em letras garrafais a sua razão social: “filmes adultos”. As películas que estão em cartaz não são divulgadas, não só porque apenas dois filmes são exibidos durante o dia inteiro, de forma repetida, semanalmente, mas também porque o gênero das obras já é suficiente para atrair a atenção de quem passa.
As duzentas cadeiras disponíveis para o público nunca ficam 100% ocupadas. Em média, de acordo com o diretor da Orient, 50 a 80 pessoas visitam o cinema diariamente. A entrada custa R$11,00. Apesar de reduzido, o público é fiel. “Tem um cara que vai lá todos os dias, às 11h30, e fica até 17h. Ele leva o almoço e tudo”, comentou o diretor. Apenas este cliente gasta R$ 330 por mês com os ingressos para o Tupy. Com o valor, ele poderia comprar, por exemplo, 294 camisinhas Olla Sensitive.
A presença de mulheres no Tupy é muito rara. Enquanto apurava a matéria, uma repórter despertou surpresa no bilheteiro ao comprar ingressos. “Aqui é só pornô, você sabe, né?”, perguntou o homem. Em sua maioria, o público que frequenta o cinema é LGBT.
Dentro da sala, como é de se esperar, as cenas de sexo explícito são frequentes não só na telona. Mas quem não tiver interesse não precisa se preocupar. Ainda de acordo com o diretor da Orient Filmes, apesar de não haver alguém responsável por fiscalizar a sala, aquele que se sentir incomodado pode ligar para a ouvidoria e fazer denúncia. A punição é o banimento permanente do local. Uma travesti que trabalha lá parece confiar no sistema de fiscalização. “Aqui é muito tranquilo. Talvez alguém toque na moça, mas é só ela dizer que não está interessada que está tudo bem”, explicou, apontando para a repórter.
Jô, como é conhecida uma outra travesti que frequenta o Tupy a trabalho, conta que o movimento no cinema já foi maior. “Caiu, mas já teve muito [movimento]. Hoje, atendo cinco, seis por dia, se tiver bom mesmo”, diz. Ela é frequentadora do espaço há mais de dez anos. Às terças e quintas, passa a tarde prestando seus serviços no local. O pacote “com direito a tudo” é 20 reais. “Só boca é dez. Mas tem homem que dá mais”, explica.
Sem a internet e a facilidade de acesso à pornografia, a demanda pelas salas que exibiam películas para adultos era grande, o que fazia com que os longas tomassem a tela dos grandes cines da capital baiana. De acordo com o artigo “Cidade, cinema e práticas sexuais em Salvador: pistas para um urbanismo a contrapelo”, de João Soares Pena, as salas começaram a se especializar no gênero nos anos 70, quando cinco cinemas do tipo existiam na cidade, todos eles localizados no centro antigo. Dentre eles, apenas o Tupy sobreviveu ao tempo – o último a fechar as portas foi o Astor, extinto em 2013.
Frequentador do cinema no final dos anos 80, Maurício Tavares conta que o Tupy sempre foi procurado por quem queria pegação. “Quando eu cheguei em Salvador, há 30 anos, eu queria fazer sexo casual. Alguém me falou do Tupy e eu fui lá algumas vezes”, relembrou. “Não era muito cheio, mas também não era muita vazio. Não dava para ter uma ideia exata porque metade das pessoas não sentava nas cadeiras e ficava lá na parede da entrada”, completou. Com o tempo, o cinema foi entrando em decadência, mas a essência do Tupy parece ter sido mantida.
