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Transbordo e assumo

- 26/10/2016

“Você pode se amar, mas não tanto”. Construir auto-estima, diante de pressões variadas, é uma arte

Pollyanna Couto. Fotos: Internet (uso livre)

Autoestima: a palavra tem origem no  grego autós, “a si mesmo”, combinado ao latim aestimare, “valorizar, apreciar”.  É então, amar a si mesmo. Apreciar quem você é. Valorizar aquilo que você mesmo representa.  O que nem sempre é tão fácil ou comum até de ser aceito pela sociedade. Quem nunca julgou a amiga que confessa aos quatro cantos que se acha linda, que ama o seu cabelo, como alguém que “se achaa”.  No fundo, a sociedade não aceita aqueles que assumem abertamente o amor-próprio.

A grama do vizinho parece sempre mais verde – às vezes tem até flores. As famosas da televisão estão sempre lindas, beirando a perfeição. As carreiras dos personagens bem-sucedidos das revistas são sempre tão firmes e carregadas de decisões bem tomadas. Os corpos das musas fitness estão sempre maravilhosos, bumbuns sempre na nuca e barrigas negativas. Vontades de doce não fazem parte de suas vidas.  E, sem falar das famílias das propagandas. Elas são perfeitas e felizes.

Agora, podemos acordar. A realidade está muito longe disso. E muitas vezes as pessoas tendem a reclamar das suas realidades e buscam insaciavelmente – sem sucesso – essas vidas que elas acham que deveriam ter. Ouvi certa vez, que expectativa é tipo erva-daninha, a pior coisa a ser cultivada. Frustrações andam bem ao lado das expectativas. Assim como a baixa auto-estima.

É a vida que eu queria ter e não tenho. O corpo que eu queria ter e parece ser impossível, apesar de ser – em nossas cabeças – indispensável para nossa total felicidade. O casamento.  As notas altas. O mestrado sonhado. Sem esquecer os filhos perfeitos, a casa dos sonhos, com carros na garagem. Tudo isso para se sentir completo.  A sociedade nos impõe que coisas deveriam nos fazer nos sentir completos. Que só seremos completos com elas.  E, o pior é que acreditamos nisso.

Existem pessoas que parecem ter tudo e mesmo assim não parecem felizes. Enquanto também existem pessoas que aos olhos da sociedade teriam motivos –de sobra- para serem frustadas e não são. Muito pelo contrário, são donos de uma felicidade que não se apega no que deveriam ser ou ter.

Aqui nesse ponto do texto, você pode estar se perguntando se esse é mais um no estilo autoajuda. Errou. O foco aqui é justamente falar como muitas vezes não acreditamos na felicidade de pessoas que não têm o que impomos que elas deveriam ter. Como, por exemplo, uma garota gorda pode ser dona de uma autoestima que muitas de barriga negativa e “bumbum na nuca” adorariam ter.

Depressão. Baixa autoestima. Falta de amor próprio. Todas elas estão relacionadas às expectativa de quase perfeição que a sociedade nos impõe. Estamos falando não só da sensação de felicidade (ou não), estamos falando de saúde. Depressão vem do latim depressio, de deprimere, “apertar firmemente, para baixo” e é exatamente isso que os padrões a serem conquistados fazem com os indivíduos:  apertam firmemente para baixo àqueles que permitem não ter uma apreciação de sim mesmo como uma parte de suas personalidades.

De acordo com um estudo divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país com a maior incidência da doença no último ano. De acordo com o levantamento, 10,8% da população apresentou o distúrbio mental. Independentemente da faixa de renda, as mulheres são as que mais sofrem com o mal: elas têm duas vezes mais chance de desenvolver a doença do que os homens, de acordo com a pesquisa.

É justamente na contramão dessa dura tendência que Lucas Souza caminha. “Na adolescência eu era ‘zoado’ pelos meus colegas. Era o gordinho de nariz de barraca. Cresci. Fiz rinoplastia e emagreci bastante. Mas continuava a ter o psicológico frágil do gordinho da adolescência” afirma.  Para ele, a autoestima que ele tem hoje só foi conquistada quando ele entendeu que não seria perfeito nunca e muitas vezes sua atual autoestima é taxada como arrogância  pelas pessoas com quem ele convive. “Além da minha mãe, hoje eu também me acho lindão, por dentro e por fora” brincou Lucas.

Para Tatiana Couto, sua segurança é sua principal qualidade. “Como sempre fui gorda, desde criança, aprendi que eu era linda como eu era. Não me sinto menor que nenhuma menina magra, minha genética é essa. Deus me fez para ser assim. Grande” afirma.  Tatiana disse que apesar de se aceitar como é, ela sempre busca ser uma melhor versão. Para isso ela faz academia, dieta, mas tudo sem afetações. “Não quero ter o corpo de modelo, só quero ser saudável ” , afirma.

Esses são apenas dois exemplos de pessoas que alcançaram uma estima por ser quem são. Claro, que eles passam por problemas. Claro, que gostariam de melhorar algumas coisas em si. Mas, os seus focos não estão em quem gostariam de ser, e sim, em quem já são. Todos nascemos completos e essa consciência que devemos ter. As coisas adicionais, os quilos perdidos, a casa, o cônjuge, a carreira brilhante, não irão nos completar.  E, sim, nos fazer transbordar.

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