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PrEP: Uma nova alternativa no combate ao HIV

Lucas Brandão e Marina Aragão - 23/12/2017

A Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) será implementada pelo SUS para pessoas soronegativas que possuem um risco constante de contágio do vírus; cai número de jovens que usam preservativo

Fazer sexo sem camisinha pode ser um fetiche ou até um alívio para muita gente. O doutorando em Antropologia Tedson Souza tem dificuldade com o uso do preservativo. “Eu não uso camisinha porque não me dou bem. Tenho dificuldade de ereção com o preservativo. Então o aboli”, conta. Esse foi um dos motivos pelo qual ele começou a usar a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) como alternativa de prevenção contra o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana).

A PrEP é direcionada a pessoas não infectadas e que têm um maior risco de exposição ao vírus. O tratamento é realizado através do uso diário do comprimido conhecido como Truvada. O seu objetivo é reduzir ainda mais o potencial de transmissão, mas não diminui a importância da camisinha.

No entanto, o pânico gerado pelo surgimento do vírus diminuiu devido ao desenvolvimento de tratamentos eficazes. Aliado a isso, a falta de proteção entre as gerações mais jovens ainda é comum. Dados do Ministério da Saúde revelam que 6 em cada 10 jovens de 15 a 19 anos não usaram preservativo em alguma relação sexual no ano passado. Além disso, nos últimos dez anos, 42% dos casos notificados de infecção pelo HIV no Brasil correspondem à faixa etária de 15 a 29 anos.

Tedson Souza, usuário da PrEP desde 2015. Foto: Reprodução Facebook

O soteropolitano Tedson Souza é voluntário do estudo PrEP Brasil e começou o tratamento de prevenção em 2015 para participar de festas de sexo bareback (sem camisinha), pois tinha interesse em fazer uma pesquisa sobre a prática de barebacking grupal. Esse comportamento traz vários riscos à saúde, já que a camisinha evita também o contágio de outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), além do HIV. Por isso, especialistas indicam que o medicamento não deve ser usado como um substituto da camisinha e, sim, como um método adicional de prevenção do HIV para aquelas pessoas que apresentam um risco maior de adquirir a infecção.

“Eu, mesmo depois do meu último relacionamento, não me relacionei com ninguém sem camisinha. Mas sou meio paranoico. Comecei a tomar, caso acontecesse de um dia, bêbado ou algo assim, transar com alguém sem camisinha. Para eu me sentir mais seguro”, revela o empresário Eduardo Barreto, 25 anos, usuário do tratamento há sete meses. Ele é catarinense e se mudou para os EUA em 2012, mesmo ano em que a PrEP chegou ao país norte-americano.

Segundo a médica infectologista Miralba Freire, o tratamento não pode se contrapor à camisinha, uma vez que o preservativo protege de todas as ISTs. “Se a pessoa tem uma DST, a inflamação local facilita que o HIV penetre. Então tratar as DSTs de uma maneira geral também é uma forma de prevenção contra a Aids”, assegura.

Barreto conta que nos EUA muitos gays usam a PrEP, mas, por outro lado, há uma pressão para que se abandone a camisinha, o que não funciona para ele. “Não deixei de fazer sexo com preservativo, porque a PrEP só previne o HIV e não as outras doenças. Mas tem gente que fica bravo se você não quer transar sem camisinha usando a PrEP”, explica.

Contudo, o médico infectologista e coordenador do PrEP Brasil, Ricardo Vasconcelos, lembra que existem pessoas que não conseguem ou não podem usar camisinha. Segundo ele, ignorar esse fato foi um erro que contribuiu para o crescimento da epidemia nos últimos 35 anos. “Disponibilizar novas estratégias justamente para quem não consegue usar a camisinha é muito importante porque mais pessoas poderão encontrar estratégias de prevenção que se encaixam nos seus contextos de vida. A gente passa agora a dar autonomia para o usuário do serviço de saúde, e não mais tenta controlar a vida sexual dele”, defende.

O Truvada, medicamento utilizado na PrEP, é composto por duas substâncias antirretrovirais (ARVs): o fumarato de tenofovir desoproxil (TDF) e a emtricitabina (FTC), associados em um único comprimido. A pílula, que deve ser tomada todos os dias, bloqueia o ciclo da multiplicação desse vírus, impedindo a infecção do organismo. O comprimido começa a proteger a área retal após sete dias de uso diário. Já para as relações envolvendo sexo vaginal, a proteção só começa após 20 dias.

Entretanto, o método não se resume apenas ao uso do medicamento. A PrEP inclui também a realização trimestral de testes para o HIV, Hepatites e ISTs, além de exames de controle da função renal, pois o TDF pode provocar efeitos colaterais no órgão. “Eu me sinto muito mais seguro do que uma pessoa que não utiliza o Truvada, porque faço exames periódicos. Eu tenho acompanhado a todo tempo a minha sorologia e as ISTs. Hoje me sinto mais seguro fazendo o uso da profilaxia do que antes. Nunca tive nenhum efeito colateral”, afirma Souza.

Pesquisas

O principal estudo em andamento no país é o PrEP Brasil. Seus resultados foram apresentados na Conferência Internacional de AIDS (IAS 2017), que aconteceu em Paris em julho deste ano. O estudo é realizado pela Fiocruz no Rio de Janeiro em parceria com o Centro de Pesquisas Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (Manaus) e o Hospital Sanatório Partenon (Porto Alegre).

O projeto, que contou com apoio financeiro do Ministério da Saúde, acompanhou 450 pessoas sob alto risco de infecção pelo HIV. Os voluntários receberam a medicação para uso diário e tiveram acesso a aconselhamento para gerenciamento de risco, testagem para HIV e preservativos, com o objetivo de avaliar a adesão à prevenção.

“Os resultados foram muito bons. Mostraram que a população-chave de alta vulnerabilidade no Brasil, homens que fazem sexo com homens e mulheres trans, aceitam muito a ideia de tomar PrEP, tomam direitinho os comprimidos. Ninguém que estava tomando corretamente se infectou com HIV de 2014 até agora”, revela Vasconcelos.

O uso da PrEP também está sendo analisado dentro do projeto Combina!, realizado pela Universidade de São Paulo (USP) com apoio do Ministério da Saúde. O estudo aborda a prevenção combinada, sendo a PrEP um dos elementos. Além da PrEP, a pesquisa pretende verificar a efetividade da profilaxia da transmissão do HIV pós-exposição (PEP) sexual consensual e o uso combinado dos métodos preventivos contra a infecção pelo HIV.

Distribuição

O Ministério da Saúde anunciou que o SUS passará a oferecer o novo tratamento de prevenção contra o HIV. O Brasil é o primeiro país da América Latina a implementar a PrEP como política pública. Nesse sentido, o plano deve abranger inicialmente 7 mil pessoas. O investimento previsto é de U$ 1,9 milhão, para a aquisição de 2,5 milhões de comprimidos e o volume deve atender a demanda por aproximadamente um ano.

Segundo o Ministério da Saúde, estudos clínicos atestaram a segurança e eficácia da medicação e demonstraram que seu uso pode reduzir o risco de infecção pelo HIV em mais de 90%, desde que o medicamento seja tomado corretamente, tendo em vista que sua eficácia está diretamente relacionada à adesão ao tratamento.

Na Bahia, o Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (CEDAP) será o primeiro a disponibilizar o tratamento. Miralba, diretora da instituição, considera importante a implementação do tratamento pelo SUS. “Para o indivíduo, a PrEP é fantástica porque é um instrumento a mais para ele se defender. E de graça melhor ainda. Para a sociedade, o método vai impactar uma doença séria que tem um custo social alto, sendo mais um instrumento de prevenção”, assegura.

Segundo a médica, o paciente pode ser encaminhado por um médico ou por demanda espontânea, mas ele terá que passar pela triagem. “Não é igual aos outros remédios. Como a PrEP tem os critérios específicos, o paciente tem que obrigatoriamente passar pela triagem e pela consulta médica. Dentro dos critérios técnicos da PrEP, as pessoas serão avaliadas e incluídas no tratamento”, explica.

Proteção combinada e população-chave

A PrEP faz parte da estratégia Prevenção Combinada do governo. O método faz um uso conjunto de várias abordagens de prevenção (biomédica, comportamental, estrutural) empregadas em múltiplos níveis (individual, nas parcerias/relacionamentos, comunitário, social) no intuito de assistir as necessidades específicas de determinados grupos da população brasileira em relação à transmissão, prevenção e tratamento do HIV.

Para o representante do Conselho Estadual de Saúde (CES) pela Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (RNP-BA), Moysés Toniolo, o tratamento surge como algo complementar e inovador. “A PrEP constitui-se como uma alternativa não substitutiva dos métodos já conhecidos, oferecendo outras abordagens mais interdisciplinares, individualizadas e humanizadas que possam incidir sobre comportamentos e práticas sexuais”, defende.

A Prevenção Combinada é representada pela “Mandala”, ilustração que explicita as combinações determinadas pelas populações envolvidas nas ações de prevenção (população-chave, prioritária ou geral) e pelos meios em que estão inseridas. As populações-chave são constituídas por gays, homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas trans, pessoas que usam álcool e outras drogas, indivíduos privados de liberdade e trabalhadoras do sexo. Dentre as populações prioritárias, segmentos populacionais em maior vulnerabilidade social, estão adolescentes e jovens, negros, indígenas e pessoas em situação de rua.

Fonte: Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais – Ministério da Saúde

Segundo Vasconcelos, ter o tratamento à venda no Brasil não basta. “O fato da PrEP existir já é bom, mas se ela só existisse para comprar em mercado privado não seria tão bom, porque aquelas pessoas mais vulneráveis ao HIV são coincidentemente aquelas que menos dinheiro têm para comprar. Precisamos ter PrEP gratuitamente, e a chegada do tratamento no SUS é um marco na história do enfrentamento da epidemia”, enfatiza.

De acordo com o Protocolo Clínico para PrEP do Ministério da Saúde, os grupos que devem ser priorizados nessa fase inicial do tratamento são homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas trans, profissionais do sexo e casais sorodiferentes (quando apenas um dos parceiros é portador do vírus HIV).

Resultados preliminares de pesquisas do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, Aids e das Hepatites Virais (DIHAV) indicam que a prevalência do HIV entre homens fazem sexo com outros homens (HSH) é de 19,8% para a faixa etária de 25 anos ou mais. Ou seja, a cada dez homens dentro do perfil citado, aproximadamente dois estão contaminados com o vírus. Entre os HSH de 18 a 24 anos o percentual é de 9,4%. No grupo das mulheres profissionais do sexo a prevalência foi de 5,3%.

 

A epidemia

Na Bahia, segundo o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, foram diagnosticadas com o HIV 737 pessoas em 2013. Já em 2016 o número chegou a 1863. Até junho de 2017 foram registrados 777 casos no estado.

O gráfico mostra a evolução dos números de casos de HIV registrados no estado entre 2007 e 2017

A infecção pelo HIV é a causa da Aids. A doença se caracteriza pelo enfraquecimento do sistema imunológico do corpo, o que torna o organismo mais vulnerável ao aparecimento de doenças oportunistas como um simples resfriado até patologias mais graves como tuberculose ou câncer.

Entre 2006 e 2016 a taxa de detecção de Aids no Brasil apresentou queda de 5,1%. Porém,  houve aumento de 35,7% na taxa da região Nordeste no mesmo período, chegando a 15,2 casos a cada 100 mil habitantes em 2016. Em relação à Bahia, houve aumento de 25,3% na taxa de detecção da doença no mesmo período, chegando à 12,4 casos a cada 100 mil habitantes em 2016. Em Salvador, a taxa em 2016 foi de 27,2, ocupando a 13ª posição entre as capitais. Na capital baiana, a taxa de detecção de casos de AIDS mais que triplicou na faixa de 15 a 24 anos entre 2005 e 2016. Os registros de 6,6 subiram para 22,8 por 100 mil habitantes.

Nesse sentido, segundo Toniolo, a PrEP permite recolocar a discussão sobre a responsabilidade do Estado em cumprir metas para impedir a disseminação da epidemia, se considerados os avanços científicos e tecnológicos atualmente disponíveis no SUS. “Percebendo melhor as questões relacionadas às populações com risco acrescido pela vulnerabilidade, a questão do acesso será a nova fronteira de desafio a esta inovação, para que se constitua de maneira universal nos serviços de prevenção ao HIV e à Aids”, ressalta.

Para que as populações-chave tenham oportunidade de acesso à PrEP é preciso que o preconceito em torno do HIV seja superado. Vasconcelos aponta que os mesmos estigmas associados aos soropositivos se reproduzem com relação à PrEP. “O desafio agora é vencer esses estigmas que existem tanto na população em geral como nos profissionais de saúde. Na verdade, tais profissionais devem funcionar como facilitadores da chegada da PrEP em quem mais precisa, e não como obstáculos”, conclui.

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